quarta-feira, 7 de novembro de 2012

COMO SER BRASILEIRO EM LISBOA SEM DAR (MUITO) NA VISTA

Sim, eu sei que não será culpa sua, mas, se você desembarcar em Lisboa sem um bom domínio do idioma, poderá ver-se de repente em terríveis águas de bacalhau. Está vendo? Você já começou a não entender. O fato é que como dizia Mark Twain a respeito da Inglaterra e os Estados Unidos, também Portugal e Brasil são dois países separados pela mesma língua. Se não acredita, vejá só esses exemplos. (...)

Um casal brasileiro, amigo meu, alugou um carro e seguia tranqüilamente pela estrada Lisboa–Porto, quando deu de cara com um aviso: "Cuidado com as bermas". Eles ficaram assustados — que diabo seria uma berma? Alguns metros à frente, outro aviso: "Cuidado com as bermas". Não resistiram: pararam no primeiro posto de gasolina, perguntaram o que era uma berma e só respiraram tranqüilos quando souberam que berma era o acostamento.
Você poderá ter alguns probleminhas se entrar numa loja de roupas desconhecendo certas sutilezas da língua. Por exemplo, não adianta pedir para ver os ternos — peça para ver os fatos. Paletó é casaco. Meias são peúgas. Suéter é camisol — mas não se assuste, porque calcinhas femininas são cuecas. (Não é uma delícia?) Pelo mesmo motivo, as fraldas de crianças são chamadas cuequinhas de bebê. Atenção também para os nomes de certas utilidades caseiras. Não adianta falar em esparadrapo — deve-se dizer pensos. Pasta de dente é dentifrício. Ventilador é ventoinha. E no caso (gravíssimo) de você ter de tomar injeção na nádega, desculpe, mas eu não posso dizer porque é feio.

As maiores gafes de brasileiros em Lisboa acontecem (onde mais?) nos restaurantes, claro. Não adianta perguntar ao gerente do hotel onde se pode beliscar alguma coisa, porque ele achará que você está a fim de sair aplicando beliscões pela rua. Pergunto-lhe onde se pode petiscar.
Os sanduíches são particularmente enganadores: um sanduíche de filé é chamado de prego; cachorros-quentes são simplesmente cachorros.

E não se esqueça: um cafezinho é uma bica; uma média é um galão; e um chope é um imperial. E, pelo amor de Deus, não vá se chocar quando você tentar furar uma fila e alguém gritar lá de trás: "O gajo está a furar a bicha!" Você não sabia, mas em Portugal, chama-se fila de bicha. E não ria.
Ah, que maravilha o futebol em Portugal! Um goleiro é um guarda-redes. Só isso e mais nada. Os jogadores do Benfica usam camisola encarnada — ou seja, camisa vermelha. Gol é golo. Bola é esférico. Pênalti é penálti. Se um jogador se contunde em campo, o locutor diz que ele se aleijou, mesmo que se recupere com simples massagem. Gramado é relvado, muito mais poético, não é? (...)

Para se entender as crianças em Portugal, pedagogia não basta. É preciso traçar também uma outra lingüística. Para começar, não se diz criança mas miúdos. (Não confundir com miúdos de galinha, que lá são chamados de miudezas. Os miúdos das galinhas portuguesas são os pintos.) Quando o guri inferniza a vida do pai, este não o ameaça com o tradicional: "Dou-te uma coça" mas com "Dou-te uma tareia", ou então com o violentíssimo: "Eu chego-te a roupa à pele".

Um sujeito preguiçoso é um mandrião. Um indivíduo truculento é um matulão. Um tipo cabeludo é um gadelhudo. Quando não se gosta de alguém, diz-se: "Não gramo aquele gajo". Quando alguém fala mal de você e você não liga, deve dizer: "Estou-me nas tintas" ou então: "Estou-me marimbando". (...) Um homem bonito, que as brasileiras chamam de pão, é chamado pelas portuguesas de pessegão. E uma garota de fechar o comércio é, não sei por quê, um borrachinho.
Mas o pior equívoco em Portugal foi quando pifou a descarga da privada do meu quarto de hotel e eu telefonei para a portaria: "Podem me mandar um bombeiro para consertar a descarga da privada?" O homem não entendeu uma única palavra. Eu devia ter dito: "Ó pá, manda um canalizador para reparar o autoclisma da retrete."

CASTRO, Ruy. Viaje bem. Revista de bordo da Varig. Ano VIII o 3/78


Não lemos, ouvimos ou falamos palavra por palavra. Não precisamos entender todas as palavras de um texto para apreender seu sentido geral. A comunicação se dá em blocos de informação.

Para exemplificar a ideia apresentamos o texto a seguir:



PROBLEMA NA CLAMBA

Naquele dia, depois de plomar, fui ver drão o Zé queria ou não ir comigo lá na clamba. Pensei melhor grulhar-lhe. Mas na hora de grulhar a ficha vi-o passando com a golipesta – então me dei conta de que ele já tinha outro programa. Então resolvi ir no tode. Até chegar na clamba tudo bem. Estacionei o zulpinho bem nacinho, pus a chave no bolso e desci correndo para aproveitar ao chinta aquele sol gostoso e o mar pli sulapente. Não parecia haver nem galpo na clamba. Tirei os grispes, pus a bangoula. Estava pli quieto ali que até me saltipou,. Mas esqueci logo das saltipações no prazer de nadar no tode, inclusive tirei a bagoula para ficar mais à vontade. Não sei quanto tempo fiquei nadando, siltando , corriscando, até estopando no mar. Foi no tode depois, na hora de voltar na clamba, que vi que nem os grispes nem a bangoula estavam mais onde eu tinha deixado. O que fazer?


Conseguiu entender a ideia geral do texto?
Que estratégicas usou para descobrir o significado das palavras desconhecidas?
Contexto? Conhecimento prévio? Cognatos? Cultura?
A assimilação de uma língua estrangeira está diretamente ligada à forma pela qual o idioma nos é apresentado.
Para uma assimilação rápida e assertiva dependemos de estudo e prática orientados.